Cenário de contrastes fontes renováveis e setor elétrico
Maikon Del Re Perin, especialista em Risco e Inteligencia de Mercado do Grupo Ludfor

Cenário de contrastes: fontes renováveis e setor elétrico

O avanço acelerado das fontes renováveis no Brasil, especialmente a solar e a eólica, tem revelado fragilidades estruturais que começam a pressionar o setor elétrico. Episódios de restrição de geração na região Nordeste e limitações operacionais em outras áreas expõem um descompasso crescente: a oferta de energia limpa avança mais rápido do que a infraestrutura de transmissão necessária para absorvê-la. Quando a produção supera a capacidade do sistema — seja por excesso momentâneo de geração, queda de demanda, gargalos de transmissão ou questões de confiabilidade da rede — usinas são obrigadas a reduzir sua produção, mesmo com recursos naturais abundantes.

Cenário de contrastes fontes renováveis e setor elétrico
Equipamentos de energia limpa em linha geram eletricidade produzida por IA

Paralelamente, a expansão da geração compartilhada transformou o acesso de empresas e consumidores às energias renováveis. Ao permitir que unidades consumidoras se beneficiem de fontes limpas sem investir diretamente em plantas próprias, o modelo aproximou geração e consumo, democratizou o setor e impulsionou grandes investimentos. Para entender esse cenário de contrastes — entre a expansão acelerada do mercado e os desafios de infraestrutura — conversamos com Maikon Del Ré Perin, especialista em Risco e Inteligência de Mercado do Grupo Ludfor.

Mundo Elétrico – Qual o principal gargalo atual do sistema elétrico brasileiro? O problema está na transmissão, distribuição ou armazenagem?

Maikon Del Ré Perin – O Brasil vive um crescimento acelerado da geração renovável — o que é extremamente positivo para a transição energética. O que observamos é um descompasso natural entre a velocidade da expansão da oferta e o ritmo de evolução da infraestrutura necessária para escoar essa energia. Não há um único ponto de estrangulamento: transmissão, distribuição e tecnologias de armazenagem precisam avançar de forma coordenada para acompanhar a nova dinâmica do setor.

ME – Esse “ritmo acelerado que surpreendeu” decorre de falta de planejamento ou foi realmente imprevisível?

Maikon – A combinação de competitividade, redução de custos e avanço tecnológico tornou as fontes renováveis muito atrativas em pouco tempo. Mesmo agentes experientes do setor se surpreenderam com a velocidade desse crescimento. Não se trata de ausência de planejamento, mas de uma transição energética que evoluiu mais rápido do que as projeções iniciais e exige agora uma atualização natural da infraestrutura.

ME – Além do Nordeste, quais regiões enfrentam ou podem enfrentar limitações operacionais? Há dados concretos?

Maikon – O Nordeste concentra hoje o maior volume de cortes por ter elevada participação de fontes renováveis na matriz regional. Outras regiões com crescente entrada de usinas solares e eólicas também podem registrar momentos pontuais de ajuste operacional — fenômeno comum em sistemas que passam por fases intensas de modernização. O Operador Nacional do Sistema Elétrico (NOS) monitora e administra esses eventos continuamente.

ME – O que ocorre quando a oferta supera a capacidade do sistema? Quais os impactos?

Maikon – Quando há mais energia disponível do que a rede consegue escoar, o ONS realiza reduções programadas de geração para garantir a estabilidade do sistema. Esses cortes têm impacto direto sobre a operação das usinas e podem influenciar a dinâmica de preços, reforçando a importância de uma infraestrutura que acompanhe o avanço da matriz renovável.

ME – Quais soluções de curto e médio prazo estão sendo implementadas para mitigar essa defasagem?

Maikon – O Brasil já possui um pipeline robusto de reforços e novas linhas de transmissão em execução. Além disso, tecnologias como sistemas de armazenamento, usinas híbridas, gestão inteligente de carga e modernização da rede contribuem para absorver melhor a variabilidade das renováveis e reduzir restrições de escoamento.

Cenário de contrastes fontes renováveis e setor elétrico
Turbinas eolicas e paineis solares instalados no campo

ME – Como o setor, incluindo empresas como a Ludfor, pode colaborar para que a infraestrutura avance no mesmo ritmo?

Maikon – O setor privado atua de forma decisiva com soluções rápidas e concretas. A Ludfor, assim como outras empresas, por exemplo, podem acelerar a implantação de sistemas de armazenamento em bateria (BESS), desenvolver usinas híbridas que aumentam a firmeza da geração e podem deslocar a geração em horários com maior demanda, modernizar subestações e redes com tecnologias inteligentes e estruturar parcerias para viabilizar reforços de transmissão e distribuição em prazos mais curtos.

Essa atuação é complementar ao planejamento público, trazendo agilidade, inovação e capital, e é essencial para que a infraestrutura acompanhe o ritmo acelerado das renováveis.

ME – A confiabilidade da rede está ligada à intermitência das renováveis? Como a modernização pode endereçar isso?

Maikon – A intermitência é uma característica própria de fontes como sol e vento, mas a confiabilidade depende do conjunto — transmissão, distribuição, gestão, automação e armazenamento. Redes mais inteligentes e sistemas híbridos permitem operar a matriz renovável com maior flexibilidade, reduzindo restrições e garantindo estabilidade.

ME – Há algum plano nacional ou projeto que vise acelerar licenciamento e construção de novas linhas de transmissão?

Maikon – O Brasil já executa programas estruturantes por meio de leilões e autorizações que ampliam significativamente a rede de transmissão. Esses projetos são essenciais para acompanhar a entrada das novas usinas renováveis e reforçar a segurança do sistema.

Cenário de contrastes fontes renováveis e setor elétrico
Maikon Del Re Perin

ME – A geração compartilhada impõe desafios à rede de distribuição local? Quais?

Maikon – A geração compartilhada aproxima geração e consumo, o que reduz perdas e aumenta eficiência. Em alguns pontos da rede, a distribuidora precisa fazer adequações para acomodar novos fluxos de energia, algo já previsto na regulação e que evolui conforme a adesão ao modelo cresce.

ME – Quais os ganhos econômicos e a previsibilidade para empresas e consumidores?

Maikon – O modelo traz previsibilidade financeira, redução de custos e mais controle sobre o perfil de consumo. No caso das empresas atendidas pela Ludfor, a gestão especializada de contratos e o acompanhamento técnico permitem tomar decisões com maior segurança e eficiência.

ME – Qual o potencial de crescimento da geração compartilhada e o que pode limitar sua expansão?

Maikon – A expectativa é de crescimento contínuo, especialmente porque democratiza o acesso à energia renovável sem necessidade de instalação própria. O ritmo de expansão depende da capacidade das distribuidoras e da disponibilidade de novos projetos de geração — fatores que têm avançado rapidamente.

ME – A geração compartilhada é viável para consumidores residenciais?

Maikon – Sim. A modalidade é acessível para residências, pequenos negócios e condomínios. Como não exige investimento em placas ou obras, o consumidor passa a ter acesso direto a energia limpa com economia imediata e previsibilidade.

Texto: Acácio Morais
Leia também Falta de infraestrutura de rede ameaça avanço da energia limpa no Ceará
Visited 27 times, 1 visit(s) today

Compartilhe esta postagem

Notícias Relacionadas

Faça uma pesquisa​​

Últimas notícias