Em pauta petróleo, gás e biocombustíveis

Em pauta: petróleo, gás e biocombustíveis

Em entrevista exclusiva à revista Mundo Elétrico, Heloisa Borges, diretora de Estudos de Petróleo, Gás e Biocombustíveis da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), analisa com profundidade o setor brasileiro e estrangeiro, impactos sociais e ambientais, energia renovável, políticas governamentais e acordos internacionais, entre outros temas que integram esse importante e necessário cenário mundial.

Mundo Elétrico – Como a EPE enxerga o papel do setor de petróleo e gás na economia brasileira e mundial nos próximos anos?

Heloisa Borges – O petróleo e o gás natural são considerados energéticos estratégicos para segurança energética, receitas fiscais e cadeia industrial do Brasil nos próximos 10 anos. Apesar da participação relativa decrescente percentualmente nos próximos anos, essas fontes ainda serão, nos médios e longos prazos, expressivas na matriz energética, com papel estrutural — especialmente o gás — como “ponte” para descarbonização, assim como para a integração com renováveis e biocombustíveis.

A EPE destaca em estudos recentes sobre o papel econômico e energético do setor, que a indústria de petróleo e gás continua sendo fundamental para garantir o suprimento energético do País, especialmente em segmentos como transporte e indústria.

Com relação à contribuição para a economia nacional, o setor é responsável por uma parcela significativa do PIB industrial, geração de empregos e arrecadação tributária. Entre 2024 e 2033, estima-se que o segmento de upstream (exploração e produção) gere mais de 344 mil empregos por ano e arrecade mais de US$ 600 bilhões em tributos. Continuará sendo fonte relevante de exportações, investimentos e arrecadação (petroquímica, refino, exportação de óleo e derivados). Projetos em áreas de pré-sal seguirão determinantes para produção e receita, contudo a exploração de novas fronteiras é relevante para a manutenção dos patamares de produção no longo prazo.

Nas exportações, o Brasil tem potencial para se consolidar como exportador relevante de energia, aproveitando dessa forma sua produção de petróleo com baixas emissões relativas e projetos cada vez mais resilientes. Assim, de acordo com os estudos da EPE, o setor de óleo e gás contribui com a transição energética e descarbonização. Neste sentido, o setor de óleo e gás é crucial para enfrentar os desafios climáticos, especialmente nos curtos e médios prazos, enquanto tecnologias de baixo carbono ganham escala.

Mundialmente, a EPE e agências internacionais projetam cenários onde a demanda por petróleo cai gradualmente em cenários de políticas estabelecidas com metas ambiciosas ao encontro do apelo às mudanças climáticas, mas permanece essencial, em alguma medida, em todos esses cenários. O gás é apreciado como elemento-chave para segurança energética e redução de emissões quando substitui carvão ou serve de suprimento para renováveis.

A complementariedade com renováveis é fator relevante com relação à produção do óleo e gás nacional, especialmente no pré-sal, que possui intensidade de carbono inferior à média global, mas também com a produção de outros plays exploratórios, graças às técnicas de extração eficientes desenvolvidas com anos de experiência em águas profundas e ultraprofundas, que atualmente proporcionam competitividade ao petróleo nacional e posicionam o Brasil de forma estratégica na transição. Além disso, o avanço das renováveis exige planejamento, infraestrutura e a estocagem de gás natural, aliada à modernização do mercado e integrações setoriais, para cumprir um papel essencial na garantia da segurança energética.

Na mesma linha da complementariedade, destaques são dados às tecnologias emergentes como captura e armazenamento de carbono (CCUS), hidrogênio de baixo carbono, biocombustíveis e energia offshore como caminhos para a diversificação do setor.

Apresentados os desafios para alcançar a transição energética e a implementação dos caminhos para esse fim, é essencial que essa construção ocorra com diálogo e planejamento estratégico e integrado. Essa construção deve ser pautada no processo de transição justo, inclusivo e equilibrado, com engajamento da sociedade, indústria e governo para definir políticas públicas e estratégias de longo prazo. Os estudos apontam para a necessidade de integração entre políticas energéticas e ambientais, com foco em inovação, competitividade e sustentabilidade.

ME – Quais são as principais tendências e desafios do setor de petróleo e gás diante da transição energética global?

HB – A indústria está migrando de um cenário de escassez para abundância energética, com aumento da oferta não-OPEP+ e crescimento moderado da demanda. Isso tende a pressionar os preços do petróleo para baixo. Os projetos de exploração de longo prazo ficam mais sensíveis a cenários de demanda mais baixos e preço do carbono.

Na mesma linha, confere-se um protagonismo das NOCs (empresas estatais). Estatais como Petrobras e Saudi Aramco lideram tanto a produção quanto os investimentos em negócios de baixo carbono, superando as majors privadas em volume de investimentos, em seus respectivos mercados domésticos, acarretando a desaceleração de investimento em novos projetos de upstream em outros mercados.

As tendências avançam também para a expansão de tecnologias de descarbonização. O setor está investindo em captura, uso e armazenamento de carbono (CCUS), biorrefino, hidrogênio de baixo carbono e energias renováveis como solar e eólica. Nesse mote, as companhias de petróleo estrategicamente diversificam suas atividades, mantendo a produção de fósseis e transformando-se em integradoras de energia com renováveis.

A tendência também é a expectativa de projetos de transição que aproveitam sinergias com ativos existentes, como uso de hidrogênio em refinarias para biocombustíveis, além do gás funcionando como combustível de transição e fonte para hidrogênio azul/verde com aumento de investimentos em infraestrutura de gás (gasodutos, LNG, terminais) e em usos finais (indústria, geração).

Entre os principais desafios estão a redução de custos e otimização operacional para manter a competitividade da indústria, em especial no caso de reservatórios complexos. Este tópico considera ainda as incertezas geopolíticas e as políticas climáticas. Neste sentido, ampliam-se os riscos regulatórios e de mercado, devido a volatilidade de preços, pressão por metas climáticas e a competição de renováveis, que reduzem a previsibilidade de receitas para novos projetos.

Em um outro pilar, as companhias perseguem a gestão da sustentabilidade empresarial, com um rigor por conformidade com normas ESG e transparência ambiental crescente. Nesse sentido, as empresas estão sendo incentivadas a investir em biocombustíveis como parte de suas estratégias de sustentabilidade e conformidade com padrões internacionais. Essas dinâmicas mostram que a transição energética não está sendo guiada apenas por preocupações ambientais, mas por uma complexa interação entre interesses políticos, financeiros e estratégicos.

Um terceiro grande desafio do setor é a descarbonização do Escopo 3. A maior parte das emissões ocorre no uso dos derivados (Escopo 3), fora do controle direto das empresas. Ainda é um desafio a organização de um modus operandi com a participação plena das companhias no comprometimento com metas claras nesse aspecto.

ME – Como as empresas de petróleo estão se adaptando às demandas por energia mais limpa e sustentável?

HB – As empresas de petróleo têm adotado três principais estratégias para se adaptar à transição energética:

. Mitigação: investimentos em tecnologias para reduzir a pegada de carbono ao longo da cadeia de valor, desde o E&P até o refino e distribuição. Isso inclui portanto redução das emissões de metano, uso de energia renovável nas operações, redução de emissões fugitivas, minimização da queima em tocha e desenvolvimento de tecnologias para captura e armazenamento de carbono (CCS).

. Ganho de eficiência operacional: a digitalização, automação e otimização de processos, além da eletrificação, têm permitido reduzir o consumo energético e aumentar a produtividade dos ativos. Tecnologias como inteligência artificial, manutenção preditiva e sensores avançados ajudam a minimizar desperdícios e reduzir emissões.

. Diversificação e priorização do portfólio: muitas empresas estão investindo em fontes alternativas, como biocombustíveis, hidrogênio, eólica e solar. Dessa forma, há uma crescente participação em cadeias de valor de combustíveis de baixo carbono, como SAF (combustível sustentável para aviação) e hidrogênio verde. Além disso, há uma tendência crescente de desenvolvimento de ativos mais resilientes em termos de custos e emissões, buscando uma otimização do portfólio.

Essas estratégias refletem uma tentativa de manter relevância no novo cenário energético, equilibrando rentabilidade com responsabilidade ambiental.

ME – Quais os impactos ambientais e sociais das atividades de exploração e produção de petróleo e gás?

HB – A atividade de exploração e produção de petróleo e gás apresenta o risco ambiental de contaminação inerente a qualquer operação industrial, de qualquer setor. No geral, a experiência brasileira contribui com uma produção eficiente que torna o petróleo competitivo, com baixíssimo índice de acidentes ambientais.

Do ponto de vista social, as atividades de E&P contribuem com o desenvolvimento econômico e a geração de emprego e renda a nível regional e local.

ME – Como as políticas governamentais e os acordos internacionais estão influenciando as operações e investimentos no setor de petróleo, gás e biocombustíveis?

HB – As políticas governamentais e os acordos internacionais estão moldando profundamente as operações e investimentos no setor de petróleo, gás e biocombustíveis, especialmente diante da transição energética. Entre os principais impactos observados:

Influência das políticas governamentais – como reforço da segurança energética nacional, países como Venezuela, Bolívia e México, por exemplo, adotaram medidas de nacionalização e controle estatal sobre reservas e infraestrutura energética, buscando garantir soberania e estabilidade frente às oscilações do mercado.

Programas de incentivo às atividades de E&P e gás natura – programas com o objetivo de promover o desenvolvimento sustentável da exploração e produção de petróleo e gás natural, visando assim a atração de investimentos dentro e fora do País e apoiar a transição energética e a exploração em novas fronteiras exploratórias.

Incentivos à produção local e inovação – no Brasil, a Política de Conteúdo Local (PCL) tem promovido a participação da indústria nacional no setor de petróleo e gás, com foco em inovação tecnológica, exportações e bonificações para empresas que atendem aos índices mínimos de conteúdo local.

Redirecionamento de investimentos – referente aos incentivos a investimentos em projetos com menor pegada de carbono e aos que envolvem complementariedade entre fontes renováveis. Tanto no sentido de promover aspectos ambientais, quanto por exigências de retorno financeiro mais rápido.

Impacto dos Acordos Internacionais – influência nas cenarizações relacionadas às mudanças climáticas e a transição energética. As iniciativas e incentivos para a descarbonização são expressivos alvos dos acordos do ponto de vista ambiental, mas também possuem forte apelo direcionado pela financeirização do setor e pela busca por estabilidade geopolítica do que de pactos ambientais.

Utilizando como exemplo de políticas públicas brasileiras a Lei do Combustível do Futuro e o Programa Nacional de Mobilidade Verde e Inovação (MOVER), ambos têm impulsionado investimentos em tecnologias limpas e biocombustíveis. Diversas ações de adequação nos negócios da Petrobras e de outras empresas podem ser observadas, tendo como exemplo a adaptação de refinarias existentes e a construção de novas plantas industriais capazes de produzir assim combustíveis sustentáveis de aviação e diesel verde.

A regulamentação do IPI Verde e metas de eficiência energética e reciclabilidade também incentivam a indústria automotiva a adotar soluções sustentáveis, o que vem se traduzindo assim em investimentos de mais de R$ 130 bilhões até 2030 em adaptação de fábricas para a produção de veículos eletrificados. Além dessas, a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio) tem sido fundamental para atrair investimentos e promover previsibilidade no mercado de combustíveis renováveis.

No plano internacional, os acordos como o de Paris, pressionam os países a reduzirem emissões de gases de efeito estufa, o que impulsiona portanto políticas de incentivo à bioenergia e à transição energética. O Brasil tem se destacado em fóruns como a IMO e a ICAO, promovendo o uso de biocombustíveis no transporte marítimo e aéreo, respectivamente. A criação da Global Biofuels Alliance (GBA) reforça o papel do País como líder global na transição energética.

MZ – Quais são as perspectivas de crescimento e inovação no mercado de biocombustíveis, especialmente em relação às alternativas de segunda geração?

HB – O Brasil tem avançado significativamente na produção de biocombustíveis uma vez que possui infraestrutura, biomassa abundante e ambiente regulatório favorável para liderar esse mercado. Biocombustíveis de segunda geração vão usufruir dessa base. O etanol de segunda geração (E2G), produzido a partir de resíduos lignocelulósicos, tem ganhado espaço com plantas como as da Raízen. A expectativa é que, até 2035, cerca de 30 milhões de toneladas de biomassa residual sejam utilizadas para E2G, com destaque para o bagaço e a palha de cana.

Além disso, há investimentos em diesel verde (HVO), SAF (combustível sustentável de aviação), hidrogênio de baixa intensidade de carbono e biocombustíveis sintéticos, com apoio de políticas públicas e financiamento via BNDES e FINEP.

ME – Como o avanço das energias renováveis está afetando a demanda por petróleo e gás no curto e longo prazo?

HB – No curto prazo, o crescimento das energias renováveis ainda não é suficiente para suprir o aumento da demanda global por energia, impulsionado pelo crescimento populacional e econômico. Segundo a IRENA (2024), apesar do crescimento acelerado da energia solar fotovoltaica, as outras renováveis – eólica, geotérmica, hidro e bioenergia – estão aquém do necessário para uma trajetória que permita zerar as emissões líquidas até 2050. Além disso, os ganhos de eficiência energética têm sido marginais. Assim, a demanda por petróleo e gás pode se manter elevada para garantir a segurança energética, especialmente em países em desenvolvimento.

No longo prazo, espera-se uma redução gradual na demanda por petróleo, principalmente em setores como transporte leve, devido à eletrificação e mudanças comportamentais. No entanto, setores de difícil abatimento — aviação, petroquímica e indústria pesada — continuarão demandando petróleo e gás, mantendo um patamar mínimo de consumo. A OPEP (2024) destaca também que a extração de minerais críticos, essencial para a expansão das fontes renováveis, é uma atividade energointensiva que demanda altos níveis de geração de calor em processos termos químicos, aumentando a tendência ao consumo de hidrocarbonetos.

Além disso, o gás natural tende a desempenhar papel estratégico como fonte de transição, por sua menor intensidade de carbono, seu papel como insumo na indústria e sua flexibilidade para complementar fontes intermitentes, como a solar e a eólica. Pode-se adicionar ainda que, no Brasil, esse contexto indica uma ampliação da janela de oportunidade para garantir sua relevância em uma transição justa com ampliação da participação de energias renováveis e aumento da eficiência energética.

ME – Quais os principais riscos geopolíticos e econômicos que impactam o setor atualmente?

HB – Os principais riscos geopolíticos e econômicos atuais estão associados às decisões sobre a produção, preços e investimentos. Atualmente, o mundo vive um debate acerca de multilateralismo versus acordos bilaterais. Como exemplo, vemos o caso das tarifas sobre a importação dos EUA. Além disso, guerras como a da Ucrânia influenciam e reorientam relações multilaterais e estratégias energéticas dos países.

ME – Como o setor de petróleo e gás está lidando com a pressão por maior transparência, responsabilidade social e sustentabilidade?

HB – O setor de petróleo e gás está passando por uma transformação significativa em resposta à crescente pressão por transparência, responsabilidade social e sustentabilidade. A Resolução ANP nº 817/2020 exige que empresas do setor adotem sistemas de gestão alinhados às melhores práticas de ESG (Ambiental, Social e Governança), incluindo o cumprimento dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. Isso inclui ações como: o diálogo com comunidades locais, transparência nas operações e investimentos em projetos sociais e ambientais. Avanços já são avistados, mas são necessários ainda indicadores claros de impacto social para a avaliação dos resultados.

Empresas como a Petrobras têm adotado metas ambiciosas, como a neutralização de emissões de carbono e o fortalecimento da transição energética justa. Suas iniciativas incluem projetos de conservação de ecossistemas, investimentos em inovação tecnológica e relatórios anuais de sustentabilidade e governança.

ME – Quais os riscos e oportunidades para os países produtores de petróleo diante da mudança de matriz energética mundial?

HB – Quanto aos riscos, a potencial queda de demanda global por petróleo no longo prazo pode afetar empregos e receitas públicas, impactando a balança comercial. Atualmente, o setor responde por cerca de 17% do PIB industrial brasileiro, é uma dasprincipais fontes de arrecadação para estados e municípios por meio de royalties e participações especiais e desempenha papel central na segurança energética e nas exportações, com o petróleo figurando como principal item da balança comercial.

Pressões regulatórias e financeiras podem tornar ativos relacionados a combustíveis fósseis menos competitivos, aumentando o risco de que parte da infraestrutura do setor de óleo e gás deixe de ser utilizada por decisão estratégica ou regulatória, e não por incapacidade técnica. Nesses casos, o capital investido se transforma em custo afundado e o ativo torna-se encalhado, já que não cumprirá o ciclo de vida originalmente planejado.

Por outro lado, algumas oportunidades surgem nesse contexto e países com potencial de produção de energias de baixo carbono, como o Brasil, podem se destacar como fornecedores preferenciais nos cenários de transição. Nessa trajetória, o uso estratégico das receitas do petróleo pode financiar a diversificação energética e tecnológica, criando hubs de inovação e infraestrutura para novas fontes. Por fim, existe uma oportunidade de fortalecimento da diplomacia energética, com foco em segurança do suprimento e cooperação tecnológica.

A chave está em aproveitar as vantagens competitivas que o setor oferece hoje a esses países para impulsionar dessa forma seu protagonismo em um futuro energético de menor pegada de carbono. Países que conseguirem aliar competitividade de custos a uma menor intensidade de emissões na produção de petróleo e gás natural poderão assim ter vantagem no mercado global de suprimento para a demanda residual de longo prazo.

ME – Quais são as novas tecnologias e práticas que estão sendo adotadas para tornar a exploração de petróleo e gás mais eficiente e menos poluente?

HB – Algumas das principais práticas incluem:

. Detecção e reparo de vazamentos: redução de emissões de metano, com uso de drones, sensores e campanhas regulares.

. Revitalização de ativos: substituição de equipamentos ineficientes e digitalização para otimizar consumo energético.

. Tie-back: aproveitamento de infraestrutura existente para novos campos, reduzindo custos e emissões.

. Redução da queima de rotina (flaring): com tecnologias de reaproveitamento de gás e sistemas de flare fechado.

. Recuperação de vapor e redução de venting: minimiza emissões diretas de GEE.

. CCUS: captura do CO2 gerado em processos industriais e de combustão com posterior reinjeção para recuperação avançada de petróleo (EOR), armazenamento em reservatórios geológicos ou reutilização em outras aplicações, inclusive fora da indústria de O&G.

. Turbinas a ciclo combinado: aumentam a eficiência energética por meio da recuperação e do aproveitamento de calor.

. Eletrificação de plataformas: com geração centralizada (all-electric) alimentada por gás natural ou eletricidade, suprimento via grid ou interligação com plantas de energias renováveis.

A adoção dessas tecnologias depende do contexto específico de cada projeto — fase de produção, tipo de reservatório, localização e viabilidade econômica.

ME – Quais os desafios enfrentados na transição para uma economia de baixo carbono, especialmente para países altamente dependentes de petróleo?

HB – Para estes países há uma série de obstáculos interligados. Em primeiro lugar, há uma forte dependência fiscal e econômica do petróleo, que muitas vezes representa uma parcela significativa do PIB e das receitas públicas. Isso torna a diversificação econômica uma tarefa urgente, porém complexa, exigindo planejamento estratégico e investimentos robustos.

Além disso, a infraestrutura existente está profundamente enraizada na cadeia produtiva dos combustíveis fósseis. Refinarias, oleodutos e usinas térmicas são ativos de longa duração e sua substituição por tecnologias limpas demanda tempo e recursos. A transição também afeta diretamente o mercado de trabalho, já que milhões de empregos estão ligados à indústria petrolífera, o que requer esforços para capacitação e alocação desses trabalhadores.

Portanto, os principais desafios estão relacionados a:

  • Reduzir a pegada de carbono e otimizar os custos de produção de petróleo e gás natural, garantindo dessa forma competitividade de longo prazo para atender à demanda remanescente prevista mesmo em cenários mais auspiciosos de descarbonização.
  • Diversificar a matriz econômica, revertendo de forma eficiente as receitas da indústria de O&G em investimentos voltados para novas fontes de energia e setores com potencial geração de riqueza no longo prazo, incluindo polos de inovação e tecnologia.
  • Capacitar a força de trabalho, promovendo a requalificação de profissionais e fornecedores para atuar em novas cadeias produtivas, mantendo empregos em setor emergentes.
  • Desenvolver a infraestrutura e mecanismos de financiamento, capazes de viabilizar projetos de baixo carbono e atrair capital tanto nacional quanto internacional.
  • Adequar a governança e implementar políticas públicas integradas, alinhando desenvolvimento econômico, segurança energética e atingimento das metas climáticas

Economias altamente dependentes de petróleo devem avaliar o ritmo dessa transição face aos impactos que podem ser causados para atendimento da demanda energética em cada caso, utilizando-se de visão estratégica para transformar assim a dependência atual em uma oportunidade de diversificação e preparação para uma transição de longo prazo.

ME – Como os biocombustíveis podem contribuir para a redução das emissões de gases de efeito estufa e quais os obstáculos para sua expansão?

HB – Em 2024, o uso dos biocombustíveis evitou cerca de 94 MtCO₂, um aumento de 9,5% em relação a 2023. O etanol e o biodiesel foram os principais responsáveis, substituindo seus análogos fósseis gasolina e diesel, respectivamente, com destaque para o uso de matérias-primas como milho, cana e oleaginosas.

Expandindo a visão para a bioenergia como um todo, biocombustíveis podem contribuir significativamente para a redução de emissões de gases de efeito estufa. Especialmente quando associados a tecnologias de captura e armazenamento de carbono (CCS), pode-se obter produtos com emissões negativas, tornando-se assim uma rota estratégica para mitigação climática.

Os principais obstáculos incluem:

  • Limitações logísticas e agronômicas para coleta de resíduos;
  • Desafios tecnológicos;
  • Dependência de poucas culturas (como soja);
  • Necessidade de diversificação e inclusão de pequenos produtores.

ME – Quais são as implicações econômicas e ambientais do uso de biocombustíveis em larga escala?

HB – Economicamente, os biocombustíveis geram empregos (estimativa de 97 mil postos até 2035), fortalecem a agricultura familiar e fomentam inovação tecnológica. Ambientalmente, contribuem para a descarbonização, quando há uso eficiente da terra (via técnicas poupa-terra) podem ocasionar assim a redução da pressão sobre áreas nativas, necessitando de atenção quanto à biodiversidade.

A produção integrada de alimentos e energia, com aproveitamento de coprodutos como farelo de soja e DDGS, reforça a sustentabilidade do modelo brasileiro.

ME – Como a inovação tecnológica pode impulsionar a competitividade dos biocombustíveis frente aos combustíveis fósseis?

HB – A inovação tecnológica tem sido essencial para aumentar a eficiência dos processos produtivos, reduzir custos, viabilizar a produção descentralizada e melhorar a performance dos biocombustíveis. A inovação tem sido impulsionada principalmente por:

  • Desenvolvimento de rotas tecnológicas como HEFA e ATJ (álcool para querosene) para produção de SAF e diesel verde;
  • Projetos de bio-CCS/BECCS para captura de carbono;
  • Produção de bio-hidrogênio e biocombustíveis sintéticos.

Essas tecnologias aumentam a competitividade frente aos fósseis, especialmente em setores de difícil descarbonização como aviação e transporte marítimo.

ME – Quais os debates atuais sobre a sustentabilidade, uso de terras e impacto na biodiversidade relacionados à produção de biocombustíveis?

HB – A produção de biocombustíveis levanta preocupações sobre o uso intensivo de terras, desmatamento e perda de biodiversidade. Porém, a Nota Técnica Análise de Conjuntura dos Biocombustíveis 2024 lançada pela EPE destaca o uso de pastagens degradadas (até 6,7 Mha) para expansão dos biocombustíveis sem comprometer áreas nativas. Técnicas poupa-terra, como aumento de produtividade e uso de resíduos, são fundamentais.

A produção sustentável, aliada à agricultura familiar e políticas como o Selo Biocombustível Social, contribui para a preservação da biodiversidade e segurança alimentar, bem como para a geração de emprego e renda.

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