Mesmo com décadas de incentivos estruturados via ANEEL, o setor elétrico brasileiro ainda enfrenta desafios relevantes para transformar inovação em resultado prático. São obstáculos complexos, e a regulação, apesar de necessária, muitas vezes impõe limitações que tornam o avanço tecnológico lento, reativo e desconectado dos problemas reais das empresas. Juliano Cortez, COO da Inventta, tem acompanhado de perto a evolução das empresas do setor e aponta três grandes desafios que ainda travam o avanço da inovação com impacto real.
Regulação que direciona, mas engessa
A ANEEL define temas estratégicos por meio do P&D ANEEL, o que garante alinhamento nacional, mas impõe uma lógica que nem sempre faz real sentido para as companhias desse setor.
“O planejamento deveria começar pelos desafios específicos do negócio, e só depois buscar conexão com o regulatório. Mas o que vemos é o contrário: o investimento em inovação parte do que está disposto nos descritivos do P&D ANEEL, mesmo que não seja o mais urgente ou relevante para aquela companhia”, analisa Juliano.
Um exemplo citado pelo especialista envolve o tema hidrogênio verde: inicialmente desconsiderado em portfólios de inovação por não ser prioridade regulatória, o tema tornou-se obrigatório dois anos depois. “Isso exigiu reformulações drásticas de planejamento e orçamento. Imagine uma empresa que estava investindo em outras tecnologias precisar reorientar tudo às pressas porque a regra mudou”, reflete Juliano.
Como ferramenta de política pública e amadurecimento tecnológico estrutural, os direcionadores regulatórios cumprem bem o seu papel, mas as organizações não deveriam abandonar outros drivers importantes de negócio, até mais restritos, quando estão direcionando seus esforços inovativos.
Obrigatoriedade sem estratégia
O setor é obrigado a investir 1% da receita líquida operacional em projetos de P&D. Embora seja positivo, isso pode gerar um efeito contrário: empresas aplicam recursos apenas para cumprir a norma, sem conexão com uma visão estratégica de inovação. “Há muitos projetos que não avançam para além da pesquisa, acabam não gerando valor para o negócio e nem para a sociedade porque, de fato, não era a prioridade naquele momento”, destaca.
Falta de conexão entre inovação e resultado
Por muito tempo, inovação no setor foi tratada como um tema à parte nas prioridades da empresa, distante da estratégia central e até mesmo dos resultados da companhia. Juliano observa que, aos poucos, esse cenário foi se transformando.
“Hoje já vemos abertura para projetos com maior maturidade tecnológica, voltados à eficiência operacional, novos modelos de negócio e geração de valor no curto e médio prazo”, completa.
Caminhos possíveis: inovação que começa pelo problema
Juliano defende que o primeiro passo para vencer esses desafios é inverter a lógica: mapear os reais desafios e oportunidades da empresa e, a partir disso, buscar formas de conectá-los com o regulatório. Em projetos desenvolvidos pela Inventta com empresas do setor elétrico, esse caminho já tem mostrado resultados tangíveis.
Um dos exemplos foi a criação de roadmap tecnológico de longo prazo, que ajudou algumas empresas do setor a definir onde investir, mesmo diante de mudanças nas diretrizes regulatórias.
Outro exemplo envolveu o desenvolvimento de soluções em campo com times operacionais, como eletricistas, participando de iniciativas de intraempreendedorismo voltadas à segurança e eficiência. Em outra companhia, a implementação de inspeções por drones autônomos para linhas de transmissão aumentou a produtividade e reduziu riscos operacionais, um exemplo claro de como a inovação bem direcionada pode gerar impacto direto.
“É possível inovar dentro das regras. Isso exige um olhar estratégico, que começa nos desafios reais do negócio e então olha para o que a regulação permite. As empresas que entenderem isso sairão na frente nos próximos anos”, finaliza Juliano.